Grupo Gaia
Hackear o sistema financeiro
Grupo Gaia
Hackear o sistema financeiro
Brasil / Instituição financeira.
O Grupo Gaia está democratizando os instrumentos e veículos do mercado de capitais para que pessoas, projetos e organizações que tradicionalmente não participam desse mercado tenham acesso a recursos, visando facilitar assim a geração de impacto socioambiental. O grupo faz securitizações e estrutura projetos de infraestrutura, agroecologia e de igualdade com uma perspectiva de impacto, implementando instrumentos financeiros tradicionais, como títulos mobiliários na forma de certificados de crédito, além de instrumentos novos, como tokens.
Descrição Geral
O mercado de capitais desempenha um papel fundamental na economia, permitindo o fluxo de dinheiro entre aqueles que têm e aqueles que precisam dele. Além disso, permite alocar a poupança de forma efetiva e reduzir o risco de acumulação, ao abrir oportunidades de acesso ao capital para diversos atores sociais, e complementar o mercado de crédito, possibilitando o acesso a opções de financiamento com taxas de juros favoráveis4. Diferentes atores intersetoriais participam do mercado de capitais, como empresas, bancos, governos, pessoas físicas, seguradoras, investidores institucionais, operadores de fundos de investimento e intermediários da bolsa de valores. Os mercados de capitais começaram a operar no espectro dos investimentos de impacto, principalmente a partir do investimento responsável baseado em critérios ambientais, sociais e de governança (ESG). De acordo
com a Global Sustainable Investment Alliance,5 até 2020, foram investidos no mundo US$ 35 trilhões com base em critérios de ESG. A inclusão desses critérios no mercado de capitais ampliou a gestão de riscos e impulsionou a melhoria dos retornos para além dos financeiros.
Além dos critérios de ESG, o mercado de capitais também pode promover o desenvolvimento sustentável,
facilitando o acesso para novos atores sociais e ampliando a base de investidores. Para aqueles que já fazem parte do mercado, isso implica enfrentar o desafio de transformar seu sistema tradicional a fim de facilitar o investimento de impacto para além dos critérios de ESG. E para que agentes externos participem, é necessário garantir seu acesso à educação financeira e econômica. De acordo com a caracterização de 900 entidades6 realizada pela ANBIMA,7 cerca de 67% do mercadobrasileiro de capitais entendem a sustentabilidade como algo distante ou que se refere apenas a ações internas no ambiente de trabalho, ou seja, não visualizam seu próprio papel no mercado ou na forma de investir (Figura 1). Isso indica uma grande oportunidade para continuar se posicionando com o intuito de promover as possibilidades de aplicar critérios de sustentabilidade e impacto nos investimentos e nas transações que ocorrem nesse mercado que se suceden en este mercado.
A Gaia, um grupo empresarial de securitização e consultoria para o mercado de capitais, nasceu em 2009. Em
2014, diante da tendência de incorporação de critérios de sustentabilidade nas decisões de investimento, o
grupo decidiu adotar uma abordagem de impacto socioambiental, razão pela qual iniciou o processo de certificação
como Empresa B8. Além de obter essa certificação, em 2022, o grupo tomou a decisão de vender a empresa que gerenciava investimentos tradicionais para se dedicar inteiramente ao investimento de impacto no mercado de capitais, com ênfase em cinco causas: agricultura sustentável, moradia digna, educação, energias renováveis e geração de renda. Para isso, vem utilizando seu conhecimento, experiência e sua rede de contatos, potencializando a transição do mercado e de seus atores para investimentos com impacto.
O Grupo Gaia busca implantar uma nova ideia sobre o significado do sucesso no mercado de capitais, contemplando as variáveis de impacto socioambiental, além da financeira. Para isso, se utiliza da estrutura existente desse mercado e, adicionalmente, propõe a inclusão de novos atores para democratizar o acesso ao financiamento, bem como a oferta facilitada de instrumentos tradicionais e inovadores com abordagem de impacto. Por essa perspectiva, oferece serviços de securitização9 e de estruturação de projetos e negócios, aplicando os seguintes critérios:
Alinhamento com pelo menos uma das cinco causas da Gaia.
Contribuição para a sustentabilidade financeira da Gaia a médio e longo prazo, razão pela qual os
diferentes serviços são cobrados na maioria dos casos, ainda que às vezes desenvolvam projetos pro bono.
Geração de conhecimento e experiência para investidores, executores e pessoas da comunidade do Grupo Gaia.
Potencial de replicabilidade para gerar impactos sistêmicos e não isolados, focados em modelos de
negócios desenvolvidos para serem implementados em maior escala, em termos de beneficiários e escopo geográfico.
Se esses critérios forem atendidos, se passa para a fase estruturante do projeto, que inclui os objetivos de impacto socioambiental, a teoria da mudança, o instrumento de financiamento adequado à intervenção, uma rede de parceiros do mercado que permita a captação de capital, os investidores e o desenvolvimento de um modelo de negócios replicável.
Até o momento, o Grupo Gaia vem atingindo seu propósito, reunindo atores econômicos tradicionais, como as empresas Dexco10, Gerdau, Movida e Votorantim Cimentos, com novos atores sociais, como as associações camponesas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)11, e com instrumentos financeiros tradicionais e inovadores, entre os quais se destacam os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e tokens. Além disso, eles conseguiram democratizar a participação de investidores pessoa física no mercado, gerando a possibilidade de investimentos com valores mínimos de US$ 5 através de tokens.
4 Jara, Diego (2019). Misión del Mercado de Capitales de 2019. Quantil. Consultado aquí.
5 ANBIMA (2021). A landscape of sustainability in the Brazilian capital market. (p. 4) Consultado aquí.
6 Firmas gestoras de investimentos, bancos, corretoras e seguradoras, entre outras.
7 AMBIMA: https://www.anbima.com.br/pt_br/pagina-inicial.htm
8 São aquelas empresas certificadas por medir seu impacto social e ambiental e por se comprometerem pessoal, institucional e juridicamente a tomar decisões considerando as consequências de suas ações de longo prazo sobre a comunidade e o meio ambiente. Para mais informações, consultar aquí.
9 9 Para isso, eles são regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) do Brasil.
10 É uma empresa brasileira que está listada na bolsa desde 1951 e cujas ações são negociadas na bolsa de valores (B3) sob o símbolo DXCO3. Para mais informações, consultar aquí.
11 É um movimento social e político camponês com alcance nacional no Brasil. Para mais informações, consultar aquí.
Aspectos Inovadores
O Grupo Gaia se destaca por utilizar o mercado de capitais para promover investimentos de impacto, o que implica a articulação de diversos atores e ações para que exista oferta e demanda por capital direcionado a geração de impacto sustentável no médio e longo prazo. É isso que o torna inovador dentro do espectro dos investimentos de impacto.
A inovação se reflete na: (i) democratização e facilitação do acesso para novos atores (como investidores e emissores); ii) inovação no uso de instrumentos tradicionais, como os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) para gerar impacto social e ambiental; e, iii) implementação de instrumentos inovadores (tokens) em um mercado tradicional.
"Lo que hace Gaia es ser un puente entre los proyectos de impacto que necesitan recursos
y el mercado financiero que tiene los recursos para poder invertir. Entonces usamos las
herramientas que nos ofrece el mercado financiero para poder recaudar fondos".
“O Grupo Gaia é uma ponte entre projetos de impacto que precisam de recursos e o mercado
financeiro que tem recursos para investir. Então usamos as ferramentas oferecidas pelo
mercado financeiro para poder levantar fundos.” Rodrigo Ferreira, gerente ativista de Parcerias
e Relacionamentos do Grupo Gaia.
Rodrigo Ferreira
Gerente activista de Alianzas y Relacionamiento de Grupo Gaia.
Um dos casos mais emblemáticos da Gaia é o do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por meio do qual foi facilitada a obtenção de recursos no mercado de capitais para cooperativas de agricultores com práticas de produção sustentáveis. A Gaia decidiu apoiar o MST porque tem um potencial muito elevado em termos do escopo de beneficiários diretos, e levando em conta que a população rural no Brasil é de aproximadamente 27 milhões12, esse apoio permite atingir o propósito de gerar um impacto sistêmico. Embora fosse controverso e disruptivo abrir um espaço de participação para um movimento rural no mercado de capitais, o Grupo Gaia conseguiu estruturar a inserção desse novo ator social no sistema financeiro.
El grupo utilizó un modelo de finanzas mixtas por medio de un instrumento conocido como Certificados O grupo utilizou um modelo de finanças mistas por meio de um instrumento conhecido como Certificados de Recebíveis do Agronegócios (CRA) para estruturar o projeto de forma que as cooperativas pudessem captar o recurso necessário para sua sustentabilidade e funcionamento. Os CRAs são títulos mobiliários transferíveis de renda fixa lastreados em contas a receber de negócios realizados entre produtores ou cooperativas locais e terceiros13, que só podem ser emitidos por empresas de securitização regulamentadas14, razón por la cual Gaia puede emitirlos.
Por meio dessa operação estruturada pela Gaia no prazo de um ano, durante o qual adquiriu uma compreensão profunda da operação das cooperativas agrícolas e do MST, 151815 pessoas puderam participar como investidores, o que permitiu levantar US$ 3,3 M com uma taxa fixa de 5,5% a 5 anos16. Embora essa taxa fosse inferior à do mercado17, atraiu um novo público por causa do impacto social do projeto. Cabe ressaltar que foi permitido realizar investimentos nesse projeto com valores mínimos de US$ 19, o que explica, em certa medida, o grande número de investidores envolvidos e o resultado positivo alcançado pela Gaia em seu propósito de democratizar o acesso a esse tipo de investimento.
Outro projeto que demonstra a adaptabilidade do Grupo Gaia ao uso de diferentes instrumentos financeiros é o Sistema Organizado de Moradia Acessível (SOMA), um projeto de construção habitacional inclusivo para promover a mobilidade social e a qualidade de vida das pessoas em situação de pobreza. Nesse caso, foram empregados Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), um instrumento amplamente utilizado no Brasil, mas que geralmente é tratado com uma abordagem de investimento tradicional, que só pode ser emitido por uma empresa de securitização como a Gaia. Um CRI, “é um título que gera um direito de crédito ao investidor, que terá direito de receber uma remuneração (geralmente juros) do emissor e, periodicamente, ou quando do vencimento do título, receberá de volta o valor investido (principal)”18. O CRI funciona como um instrumento de captação de capital destinado a financiar operações no mercado imobiliário e é lastreado por créditos imobiliários, como financiamentos residenciais, comerciais ou de construção, e contratos de arrendamento de longo prazo.
O Grupo Gaia emitiu esses títulos para realizar a construção da primeira fase do projeto SOMA, com capacidade para 110 apartamentos19. Os investidores do SOMA foram as empresas Dexco, Gerdau, Movida, Votorantim Cimentos e P4; através do capital de dívida aportado por essas empresas, foram levantados cerca de US$ 3 M20. Na segunda fase do SOMA, está prevista a construção de mais 12 prédios e a captação de aproximadamente US$ 48 M, o que ampliará significativamente o escopo e o impacto do projeto. O retorno esperado do investimento no projeto SOMA foi definido para 10 anos, ou seja, uma perspectiva de longo prazo. Ainda assim, foi possível atrair investidores institucionais do setor privado para se somarem a essa aposta no investimento de impacto.
Outro destaque na Gaia é o uso de instrumentos financeiros digitais para atrair investidores através do blockchain, “um conjunto de tecnologias que permitem a transferência de um título ou ativo de um local a outro sem a intervenção de terceiros”21. Um dos instrumentos que se utiliza dessa tecnologia são os tokens, uma representação digital de um ativo físico que tem valor econômico e pode ser negociado, abrindo as portas para investimentos práticos, seguros e com impacto. Os tokens representam uma inovação no mercado financeiro e oferecem soluções para mobilizar investimentos direcionados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável22.
Por isso, o Grupo Gaia fez uma parceria com a fintech Liqi23, visando democratizar o acesso a investimentos de impacto, tanto para emissores quanto para mutuários, por meio de tokens. Nessa parceria, são utilizados tokens de impacto com o intuito de destravar investimentos para projetos com impacto social e ambiental positivo. Seus benefícios estão relacionados ao aumento da confiança entre as partes, à promoção da inclusão financeira e social, ao melhoramento da coleta de informações e dos processos de monitoramento, elaboração de relatórios e verificação, e ao incentivo de práticas mais sustentáveis24.
Os tokens de impacto possibilitam que qualquer pessoa possa investir US$ 5 ou mais em projetos focados em pequenos produtores orgânicos, moradia e energias limpas, entre outros. Isso abre oportunidades de investimento para pequenos investidores varejistas que geralmente não atingem os tickets mínimos solicitados por esse tipo de negócio. Da mesma forma, os tokens permitem que os pequenos negócios possam emitir títulos no mercado de valores mobiliários, considerando o custo e a complexidade dessas operações25. Os tokens de impacto conseguem transformar títulos financeiros em emissões de títulos CRI e CRA, com ativos digitais de blockchain que, na prática, são formalizados por meio de contratos inteligentes que garantem a propriedade do ativo e a liquidação de pagamentos sem intermediários. Isso permite combinar o uso de instrumentos como os utilizados pela Gaia nos projetos do MST e SOMA com essa tecnologia digital, para continuar facilitando o acesso e a execução de investimentos de impacto. No entanto, devido ao uso recente e inovador dessa tecnologia no mercado, ela ainda não foi regulamentada pela Comissão de Valores Mobiliários no Brasil, representando uma barreira à sua utilização26.
12 Em 2021, a população rural do Brasil era de 27.140.788 habitantes, de acordo com o Banco Mundial. Para mais informações, consultar aquí.
13 Simplific Pavarini (s.f). Agribusiness Receivables Certificates (CRA). Consultado aquí.
15 Um total de 4.794 pessoas abriram contas, mas, devido à capacidade da operação, apenas 1.518 conseguiram investir.
16 Informações das entrevistas realizadas com João Paulo Pacífico (28/06/2022) e Rodrigo Ferreira (13/05/2022).
17 Nesse momento, a taxa fixa do mercado era de 13 %, ou seja, muito acima do oferecido por Gaia através desse negócio.
18 B3 (s.f.). Certificados de Recebíveis Imobiliários. Consultado aquí.
19 Em cada apartamento podem morar de 1 a 3 pessoas.
20 O montante original foi de R$ 15 M (à taxa de câmbio representativa do mercado em 30 de junho de 2022).
21 BBVA (s.f). Claves para entender la tecnología “blockchain”. Comunicaciones. Consultado aquí.
22 Uzsoki (2019). Impact Tokens: A blockchain based solution for impact investing. International Institute for Sustainable Development. https://www.iisd.org/system/files/publications/impact-tokens.pdf
23 Uma empresa que usa tecnologia blockchain combinada com a segurança digital fornecida por contratos inteligentes para oferecer grande liquidez aos mais diferentes tipos de negócios. Para mais informações: https://www.liqi.com.br/
24 Uzsoki, 2019, p. 4.
25 Viri, Natalia (2021) Tokens de impacto: como a Gaia quer expandir o acesso ao mercado. Reset. https://www.capitalreset.com/tokens-de-impacto-como-a-gaia-quer-ampliar-o-acesso-ao-mercado/
26 Ibid.
Aprendizados
A estrutura do mercado de capitais, por estar direcionada para o modelo econômico capitalista tradicional, prioriza a rentabilidade sobre o impacto. Por isso, é um desafio atrair e convencer os atores econômicos mais tradicionais sobre a importância de que gerem impacto sustentável a partir dos diferentes papéis que desempenham no mercado. Conhecendo esse olhar tradicional, e usando sua experiência e redes de contatos, o Grupo Gaia está conseguindo promover investimentos com impacto no Brasil. Por um lado, os resultados foram evidenciados com os aportes de investidores corporativos tradicionais em projetos de impacto, como os do SOMA e MST. Por outro lado, permitiu que novos investidores minoritários pudessem fazer investimentos com quantias muito baixas. Apesar de ser oneroso em termos do processamento mínimo necessário para realizar essas transações, a Gaia democratizou a participação no mercado de capitais.
"Estamos incluindo compaixão nos investimentos. A única maneira de sobrevivermos como planeta e como comunidade é incluindo a compaixão na maneira como as pessoas pensam e agem e, também, na forma como investem."
João Pacífico
CEO do Grupo Gaia
Em termos dos resultados sociais atingidos, o projeto de financiamento do MST impactou 38.104 famílias com os CRAs emitidos em favor de cooperativas pertencentes ao MST. Além desse impacto, a Gaia se baseará nesse modelo para expandir seu escopo e continuar beneficiando mais famílias de agricultores em todo o país.
Quanto ao projeto SOMA, a primeira etapa da construção permitiu dar acesso a moradia digna a 110 famílias de baixa renda, além de cimentar as bases para a consolidação de um modelo de moradia inclusiva capaz de continuar se expandindo. Até o momento, está prevista uma segunda etapa, o Soma 12, com 12 imóveis para 1.800 famílias.
Essas experiências colocaram vários desafios para a Gaia, em primeiro lugar, devido aos custos de estruturação dos projetos que devem articular todas os componentes do mercado e introduzir novos atores sociais, provocando em ambos os casos gastos com o processamento mínimo dos requisitos legais. Mesmo assim, a Gaia está comprometida em continuar democratizando a participação no mercado de capitais. Para isso, planeja continuar usando novas tecnologias, como o blockchain, que facilitem os processos e reduzam os custos das operações dos investimentos de impacto de diferentes tamanhos e escopos.
"No Brasil, muitos investidores dizem: ‘Se os juros são os mesmos, eu invisto em impacto.’ Esses
investidores não estão interessados em gerar impacto, nós devemos ajustar os termos com
base no impacto – não no retorno – quando vendemos projetos. Devemos tocar os corações dos investidores, mostrar o impacto dos projetos".
João Pacífico
O desafio atual do Grupo Gaia, considerando que apenas participa em investimentos de impacto social e ambiental, é poder ir além da securitização e estruturação de projetos, para começar a ser um gestor de fundos como tal. Nesse sentido, prevê a criação de uma nova empresa dentro do grupo para investir nos projetos que serão estruturados e naqueles que, como os do MST e SOMA, podem ser potencialmente replicados.